Desenho produzido por Gabriel Pêra |
Verdadeiramente Imortal
Em minhas reflexões anteriores já comentei sobre
algumas das coisas que atravessam a linha tênue entre a vida e a morte. Mas
nunca falei do mais importante, o amor, esse sim é imortal, até acho que um dia
meu plasma pode se desintegrar, mas o amor, o amor vai ficar.
Quem escuta minhas histórias de quando
jovem acha incabível eu ter tido uma mulher que me amasse, não fosse pelo meu
dinheiro. Eu fui um homem muito insensível e alienado até os meus vinte e dois
anos, quando minha mãe partiu, sei disso. Entretanto, surpreendentemente, eu amei
e fui amado por uma bela dama chamada Ágata.
A moça era de um tom de marrom brilhante
inconfundível, com seus cabelos negros como a pena de um corvo. Era filha de um
barão amigo de meu pai, poucos tinham a certeza de que ela era bastarda, mas o
falatório era grande, alguns estavam crentes de que era filha de índia por
conta dos fios negros. Perto do pai ela era tratada como uma verdadeira dama da
alta sociedade brasileira, com vestidos sob encomenda que a deixavam
estonteante, embora quando deixada somente com a madrasta fosse tratada como
uma escrava particular. Só eu sabia o quanto ela sofria.
Nossa relação foi curta, mas implacável. Aconteceu
numa época em que eu acompanhava muito o meu pai em suas viagens para Minas
Gerais, que eram frequentes. A hospedagem era certeira na casa de Ágata e
família, foi assim que nos conhecemos. Nossa primeira conversa aconteceu quando
eu, curioso, a vi sair correndo em direção ao cafezal e fui atrás ver o que acontecia,
para o meu desespero ela estava se acabando em lágrimas, soluçando alto, mesmo
sem saber muito bem o que fazer, acabei me sentando ao lado dela e a consolei com um abraço. Abraçá-la naquele dia foi uma das melhores decisões da minha
vida. Conversamos até a noite cair com suas estrelas brilhantes, ela me
contando seus problemas e eu me abrindo pela primeira vez.
Foi assim o meu primeiro e único amor, no cafezal
ao entardecer, com aquela moça que teria pedido em casamento caso não houvesse
sido um canalha após minha mãe sumir no mundo e meu pai começar a enlouquecer.
Quando fui procurá-la já era tarde, ela estava morando em Portugal, onde estava
vivendo feliz sem o ódio da madrasta. Seus doces beijos, palavras encantadoras
e sonhos audaciosos ficaram só em minha mente.
Quando me vi fantasma, meu primeiro pensamento
esperançoso foi que talvez encontrasse minha mãe e Ágata. Mas não, ao menos não
até hoje, vagando por esse mundão. A minha teoria é que moças tão bondosas
quanto as duas não ficam vagando pela Terra. Trágica ilusão terrena de que
encontraremos nossos entes queridos no paraíso.
Bom, não deveria ser tão rancoroso de não tê-la
encontrado após a morte, ela ainda vive em meu coração, que não bate, se é que
existe ainda. O fato é que ela está em cada uma das minhas boas reflexões, em
cada momento de eterno amadurecimento, nos meus pensamentos a cada vez que vejo
um casal no metrô.
Minha dica aos viventes é: amem, amem como se não
houvesse paraíso, porquê um dos verdadeiros êxtases após a vida é ter alguém no
fundo da alma.
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